
Em nome de Deus começo
Nesta abençoada hora
Pai, filho, Espírito Santo
São José e Nossa Senhora
Caríssimos leitores, o trecho acima representa em versos o momento mais esperado do ano para muitos devotos e foliões de Santos Reis espalhados pelo Brasil. É um trecho de uma toada cantada pelas Companhias de Santos Reis. No interior de São Paulo, e até mesmo na capital - no Parque da Água Branca por exemplo - não é difícil encontrar Companhias de Reis perambulando, juntamente com o séquito de foliões, atrás da bandeira toda cheia de fitas, não é? Vamos então, "romper a barreira do som", e ultrapassar o nível ordinário de conhecimento sobre folias de reis. Vamos nos ascender um pouco mais para um outro plano de apreensão desta realidade, que irá nos permitir entender mais sobre a dinâmica das tradições do catolicismo popular no Brasil.
A Folia de Reis, ou Festa de Santos reis é uma tradição, isto é, está vinculada a vida comunitária, as relações pessoais, unidas pela similaridade nos valores e na crença. E qual é a crença? Nos poderes mágicos-curativos dos Três Reis Magos, que sequer são considerados Santos pela igreja católica, até hoje! Lembram do nome deles? Baltazar, Belchior e Gaspar. Na Bíblia (Mateus, Cap. 02, versículo de 1-12), que entendemos por tradição escrita, está o fundamento "oficial" das crenças nos poderes dos Três Reis Magos. A história bílbica escrita mistura-se com a outra história, dos que não sabem ler nem escrever, mas que por isso mesmo possuem imensa capacidade de imaginação: falo da história de tradição oral, da oralidade muito característica do brasileiro. Misturando tudo escrita + oralidade, o resultado fica mais ou menos assim:
... Após o nascimento do Menino Jesus, os Reis que estavam no Oriente foram avisados em sonho por Deus, que lhes enviou um sinal. A Estrela Guia! O brilho intenso da Estrela Guia chamou demais a atenção dos Três Reis que logo perceberam tratar-se de um sinal do nascimento “daquele que veio para nos salvar”, conforme cantam as toadas das Companhias de Reis.
Portanto não havia dúvidas de que era o “salvador dos homens” que teria nascido. E o que fizeram os Três Reis? Seguiram a estrela, e levaram presentes: incenso, ouro e mirra. Mas a caminhada em direção ao menino Jesus só podia ser feita à noite, porque afinal de contas estrela só brilha de noite, não é verdade?
E eis que chegando em Jerusalém os Três Reis foram surpreendidos pelo famigerado Rei Herodes, que enciumado e com medo de perder o trono para o suposto e verdadeiro Rei da humanidade, armou uma armadilha para se livrar de “Jesus” que havia nascido. E qual foi a armadilha por ele criada? Dizendo estar preocupado com os Três Reis, que iriam seguir à noite de Jerusalém até Belém onde se encontrava o “menino-Deus”, ofereceu dois soldados para fazer guarda a eles.
Todavia a intenção real era descobrir a “manjedoura”, e assim dar fim com a vida de Jesus. Fazendo isso Herodes iria preservar o seu destino como rei, sem sofrer maiores ameaças.
E então acontece o inusitado: no caminho, de Jerusalém à Belém, os dois soldados romanos que seguiam os Três Reis sentiram a verdadeira força e amor presente no pé da “manjedoura”, e se converteram à Jesus. E fazendo isso não cumpriram com a intenção real do Rei Herodes, que era a de matá-lo.
Felizes em presentear Jesus com o incenso, o ouro e a mirra, os Três Reis retornaram para o Oriente sem passar por Jerusalém, onde certamente o Rei Herodes iria tirar-lhes satisfações. Nesta volta eles iam cantando versos de alegria e redenção por terem dado provas do nascimento do “senhor dos homens”. Os soldados romanos convertidos também voltaram, todavia, fingiram estar em trabalho para o Rei Herodes, sendo que na verdade não estavam mais. O resultado disso tudo? Tem dois resultados: o primeiro é muito triste e ficou conhecido na história como o “massacre dos inocentes”. O que é isso? Vou explicar: o Rei Herodes, muito bravo pela traição dos soldados não tinha outra saída a fim de preservar o seu reinado senão mandar matar todas as crianças da Galiléia com menos de dois anos. Foi um verdadeiro banho de sangue, e que é igualmente contado na Bíblia.
Mas eu disse que existiam dois resultados de toda essa trama. O primeiro já foi contado. E o segundo qual é? É que dessa história surgiu uma tradição apropriada pelo povo de encenar ritualmente a visita dos Três Reis Magos indo ao encontro do nascimento de Jesus. Aqui no Brasil esta tradição é denominada de Folia de Reis, ou Festa de Santos Reis, variando de lugar para lugar.
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