quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O fotógrafo clássico e a câmera digital: as raízes do céu desbotado



O Sr. Aílton veio me entregar os galões de água. Após atendê-lo disse que receberia a partir de agora 30 litros de água mineral à cada quinze dias. Antes estávamos consumindo 20 litros, o que mostrou ser insuficiente. Tivemos que tomar “água do cano” por uma semana. Sr. Aílton estava com dores nas pernas e desci as escadas para trazer o segundo galão com ele. E iniciamos uma interessante conversa...

Trabalhou como fotógrafo por inteiros 35 anos de sua vida. A explicação de interromper tamanho investimento de vida veio do stress. Sr. Ailton estressou-se de tanto fotografar a vida dos outros, sobretudo casamentos dos clientes, e tomou a decisão de mudar de trabalho. Desde então Sr. Aílton entrega galões de água mineral nos domicílio de Santa Bárbara. Mas nem por isso deixou de gostar de fotografias, ao modo analógico como se fazia antigamente. Sr. Aílton me mostrou como o advento das tecnologias digitais sobre nossos sentidos ocasiona perdas de certos padrões fotográficos que a antiga tecnologia dos filmes fotosensíveis mantinha. Pegou um pequeno álbum de família que carregava consigo dentro do carro e me mostrou: “Olhe este céu! A fotografia digital não pega o azul. Fica tudo branco! Olha aqui nesse rio, o rio aparece com muita luz, e sai branco praticamente, pálido.”


Interessante. Este bate-papo com Sr. Aílton me conduziu para a idéia de interface. Enquanto Sr. Aílton me explicava eu refletia suas idéias. Hoje em dia a função da câmera digital não se limita mais em captar in loco as imagens. Esta é somente a primeira etapa do trabalho. A posterior intervenção sobre a imagem acontece no computador, quando entram em cena os aplicativos que farão as últimas correções, e eis que os padrões de azul do céu poderão ser escolhidos conforme a minha vontade dentro de centenas de outros padrões de azul do céu. Estes não mais serão inéditos e não carregarão consigo o testemunho ocular da realidade.


Para os fotógrafos mais velhos, educados no olhar com a ajuda das antigas câmeras reflex, a interface digital retira e afasta da natureza o ineditismo, o instante esperado, único, de um lugar específico. Para eles, a interface proporciona a democratização da alquimia da natureza na medida em que desloca o espaço e o tempo, mas por outro lado retira o privilégio do ineditismo e da exclusividade do testemunho autor da fotografia.


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RECADO AOS SOCIÓLOGOS ACADÊMICOS

O Brasil tem na universidade o reduto clássico dos Sociólogos. Dificilmente vocês encontrarão sociólogos trabalhando em outros lugares (empresas, escolas, profissional liberal, etc.). Existem várias razões de ser assim: a tradição do conhecimento sociológico que herdamos na universidade tem pouca serventia para outras áreas da vida. Nos Estados Unidos por exemplo, sabemos que os sociólogos são considerados os mais experts em estatística, pesquisa quantitativa, SPSS (software de tabulação e cruzamento de dados). Por isso nos Estados Unidos os Sociólogos conseguem ter muito mais inserção do que aqui no Brasil, onde poucos se dão bem no mundo do trabalho. Eu, por exemplo, tenho que ensinar geografia para ser sociólogo! Isso é um grande contrasenso. Bom seria ensinar sociologia. Mas ainda não chegou a hora. Enfim! Quero dizer para meus amigos sociólogos que vocês não encontrarão nada no formato padrão, tal qual estamos acostumados a ler. Aqui não existem citações da ABNT, não existem citações literais de livros da literatura sociológica, não existem biografias de autores clássicos e contemporâneos. Se eu considerasse tudo isso, o "povo" que quer conhecer o "mundo" pela sociologia sequer se aproximaria das minhas letras. Daí que optei pela linguagem simples e próxima do dia-a-dia de todos. Posso estar cometendo pecados, sacrilégios, enfim. Mas o que me importa é transmitir a idéia de que a sociologia - antes de qualquer definição - é um MOVIMENTO DO PENSAMENTO, em que partimos das situações aparentemente banais da vida ordinária e cotidiana, para elevar a reflexão a um outro plano de compreensão, mas abstrato, amplo e extraordinário. Isso é a tal da IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA, e que todos podemos exercitar. CERTO? Grande abraço à todos.

Olá, muito prazer!

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Sociólogo apaixonado pela vida, pelo convívio e pela imaginação.