segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Por que não queremos dividir o banco do ônibus com ninguém...


O título deste post é somente uma provocação, já que não são todos que evitam dividir os bancos dos meios de transporte coletivo com desconhecidos. Mas também não é verdade que são todos que gostam de dividir os bancos com os mesmos desconhecidos, ou estou enganado? Sabemos muito bem das pequenas estratégias utilizadas para assegurar o banco vazio ao nosso lado: uma bolsa, uma blusa, enfim, são meios eficazes de preservar este espaço pessoal. E é neste ponto que esta questão torna-se sociologicamente pertinente, e que por isso mesmo, temos mais alguma coisa para aprender.

É necessário, antes de mais nada, explicar o que os sociólogos entendem por interação social. Em síntese, esta expressão refere-se a todo processo pelo qual indivíduos agem e reagem às pessoas que estão a sua volta. Daí ser correto, nesta perspectiva, considerar que desde o momento em que acordamos, abrimos a porta do nosso quarto e nos deparamos com a mãe fazendo café na cozinha, e logo soltamos um “bom dia”, estamos ao mesmo tempo dando início a mais um dia de múltiplas interações sociais. Portanto, nos interagimos pelos sentidos, isto é, pelo olhar (em nosso exemplo, eu olho para minha mãe) e pelo diálogo (em nosso exemplo também, eu digo bom dia para minha mãe). Há outras questões envolvidas (os traços da face, o discurso, o corpo, etc.) no processo interativo, mas para os objetivos deste post bastam as considerações acima apresentadas.

Pois bem, existe um sociólogo norte-americano pouco conhecido chamado Edward T. Hall (1914- ) cujo interesse de pesquisa são justamente estes micro-processos da vida cotidiana. Edward T. Hall fez inúmeras investigações neste campo de pesquisa, e aos poucos construiu uma tipologia (uma espécie de categorias classificatórias) das zonas de interação, em que a ocorrência da interação estava diretamente relacionada à distância que separa os sujeitos que se defrontam. Vejamos na tabela abaixo como Edward T. Hall formou esta sua tipologia das zonas de interação:

Zonas de interação

OCORRÊNCIA

DISTÂNCIA (m)

DISTÂNCIA ÍNTIMA

Entre amantes, pais e filhos

Aproximadamente 33 centímetros

DISTÂNCIA PESSOAL

Entre amigos e conhecidos íntimos

Entre 33 centímetros e 88 centímetros

DISTÂNCIA SOCIAL

Entrevistas, relações hierárquicas de trabalho

Entre 88 centímetros e 2,64 metros

DISTÂNCIA PÚBLICA

Sala de aula, palestra, reuniões, cultos religiosos

Acima de 2,64 metros

É importante ressaltar que há processos interativos em que nos colocamos muito próximos de outros indivíduos (como em uma estação de metrô muito movimentada), porém, ainda que ambos estejam dentro da zona de interação íntima, ao mesmo tempo ambos tem a consciência mútua de que estão lá naquele encontro coletivo sem a necessidade de entrar em conversação direta.

Agora estamos em condições de explicar sociologicamente por que não aceitamos muito bem a idéia de “dividir o banco do ônibus” com outrem desconhecido, ainda que contra o nosso desejo, tendemos a aceitar a idéia sem maiores constrangimentos.

A questão é simples: na interação comum, as zonas mais disputadas são as da distância íntima e pessoal. Se por acaso essas zonas são “invadidas”, as pessoas tentam recapturar seu espaço. Encaramos os “intrusos” como se disséssemos: “SAIA DAQUI!”. As marcas do rosto transmitem de forma não-verbalizada esta mensagem. Alguns ultrapassam as normas da boa convivência e faz uso de cotoveladas (como nas filas para a compra de objetos escassos, como entradas para assistir a um megashow, por exemplo).

Quando os indivíduos são forçados a se aproximarem mais do que julgam necessário, podem até mesmo criar algum tipo de fronteira física. Um leitor em uma biblioteca, por exemplo, senta-se na mesa mais vazia do espaço (de preferência longe do campo de visão de todos) e pode até mesmo colocar livros nas bordas das mesas para evitar uma proximidade maior. Eu mesmo já testemunhei muitos processos deste tipo e que, curiosamente, aconteciam entre os próprios “aprendizes de sociólogos” na biblioteca do campus universitário.



Portanto, da próxima vez que nos encontrarmos em situações de disputa de zonas de interação, lembrem-se deste post: não é porque somos egoístas ou mesquinhos, mas sim porque estamos resguardando o nosso espaço de interação íntima ou pessoal somente para alguns dos nossos conhecidos. Abraço à todos!

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi caro Ivan.
O engraçado desse seu post é que ele se encontra direitinho com meu pensamento nesse tipo de ocasião.
Os primeiros passageiros sempre se acomodam na poltrona da janela, ou pior, se sentam na poltrona do corredor e enchem o outro banco de balangandans... Esse sim tem medo da interação.
E depois, os que não tem opção de escolha se sentam onde a cara estiver menos amarrada ou onde a bolsa não ocupar o seu lugar...
E eu sempre penso que as pessoas pensam "aqui não, aqui não, aqui não ... ufaaa"
Mas não eu... eu não... rsss
Muito legal o blog. Parabéns.

Anônimo disse...

Valeu Evelyn! Você acabou de entrar para a história desse blog. É a primeira pessoa a fazer um comentário, e um excelente comentário. A sociologia nos tras respostas para certas atitudes aparentemente instintivas que tomamos. Mas só aparentemente... se colocamos as bolsas e blusas e outros balagandans no banco vazio é porque gostaríamos de escolher quem, de fato, poderia estar ao nosso lado. E a sociologia nos diz que somente os mais íntimos e queridos tem lugar neste espaço pessoal. Um grande abraço do Ivan e continue participando. Valeu...

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RECADO AOS SOCIÓLOGOS ACADÊMICOS

O Brasil tem na universidade o reduto clássico dos Sociólogos. Dificilmente vocês encontrarão sociólogos trabalhando em outros lugares (empresas, escolas, profissional liberal, etc.). Existem várias razões de ser assim: a tradição do conhecimento sociológico que herdamos na universidade tem pouca serventia para outras áreas da vida. Nos Estados Unidos por exemplo, sabemos que os sociólogos são considerados os mais experts em estatística, pesquisa quantitativa, SPSS (software de tabulação e cruzamento de dados). Por isso nos Estados Unidos os Sociólogos conseguem ter muito mais inserção do que aqui no Brasil, onde poucos se dão bem no mundo do trabalho. Eu, por exemplo, tenho que ensinar geografia para ser sociólogo! Isso é um grande contrasenso. Bom seria ensinar sociologia. Mas ainda não chegou a hora. Enfim! Quero dizer para meus amigos sociólogos que vocês não encontrarão nada no formato padrão, tal qual estamos acostumados a ler. Aqui não existem citações da ABNT, não existem citações literais de livros da literatura sociológica, não existem biografias de autores clássicos e contemporâneos. Se eu considerasse tudo isso, o "povo" que quer conhecer o "mundo" pela sociologia sequer se aproximaria das minhas letras. Daí que optei pela linguagem simples e próxima do dia-a-dia de todos. Posso estar cometendo pecados, sacrilégios, enfim. Mas o que me importa é transmitir a idéia de que a sociologia - antes de qualquer definição - é um MOVIMENTO DO PENSAMENTO, em que partimos das situações aparentemente banais da vida ordinária e cotidiana, para elevar a reflexão a um outro plano de compreensão, mas abstrato, amplo e extraordinário. Isso é a tal da IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA, e que todos podemos exercitar. CERTO? Grande abraço à todos.

Olá, muito prazer!

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Sociólogo apaixonado pela vida, pelo convívio e pela imaginação.